Créditos de compositores e intérpretes somem do Spotify

Falha no sistema de identificação ocorre em diferentes países; ainda não se sabe se afeta distribuição de direitos autorais

SilvaMusicRecords

1/17/20254 min read

Compositores, intérpretes e outros participantes das faixas do Spotify estão sem crédito pelo menos desde o início desta quarta-feira (15). Uma aparente falha sistêmica fez desaparecerem os nomes de quem cria e interpreta as canções presentes na biblioteca da maior plataforma de streaming de áudio do planeta.

Entre dezenas de faixas testadas pelos repórteres da UBC em playlists ou diretamente nos perfis de artistas variados, nacionais e estrangeiros, o resultado foi o mesmo: um hífen ou um espaço em branco no lugar dos nomes dos compositores, intérpretes e produtores fonográficos. Aparentemente, a falha afeta diversos países, já que o teste foi feito por repórteres no Brasil, na Espanha e na Inglaterra. Somente neste último país os créditos apareceram em pelo menos uma parte das faixas testadas, mas não tem todas.

Ainda não se sabe se a ausência dos dados pode prejudicar a distribuição de direitos autorais e royalties ou se afeta apenas a consulta dos créditos pelos ouvintes do aplicativo do Spotify. A ausência foi constatada nas versões mobile e desktop da plataforma.

Com mais de 100 milhões de canções no seu sistema, o Spotify passa de 600 milhões de usuários mensais e tem uma participação de 31,7% no mercado global de música. Números que tornam a gigante sueca a líder indiscutível, bem à frente da segunda colocada, a chinesa Tencent, que tem 14,4% de participação, e da terceira, a americana Apple Music, com 12,6%. Portanto, a ausência dos créditos é particularmente grave, já que priva milhões de usuários de conhecer quem cria canções que são reproduzidas mais de 2 bilhões de vezes por dia, em todo o mundo, segundo números da própria plataforma.

A UBC entrou em contato com as assessorias de imprensa do Spotify Brasil e do Spotify global e aguarda uma posição sobre a falha. Este texto será atualizado assim que recebermos uma resposta.

VEJA COMO APARECEM AS TELAS DE CONSULTA DOS CRÉDITOS DE ALGUMAS MÚSICAS:

PROBLEMAS TAMBÉM EM OUTRAS PLATAFORMAS

Ano passado, um levantamento feito pela UBC quantificou o persistente problema na identificação dos titulares das canções presentes nas principais plataformas de streaming. De uma amostragem com 100 músicas de 100 artistas e inúmeros gêneros, 31% não continham créditos ou traziam erros variados, na média das cinco plataformas analisadas (Spotify, Apple Music, Amazon Music, Deezer e YouTube Music, as maiores do mercado nacional). O problema de identificação não é homogêneo entre todas, com algumas — Amazon e YouTube — em situação pior que a das demais.

O objetivo da análise foi compreender o tamanho da lacuna deixada por metadados incompletos, incorretos ou inexistentes — além de tentar decifrar as dificuldades inerentes a cada plataforma na hora de identificar as faixas. O que, a olhos leigos, pode parecer uma mera burocracia acaba se tornando um ralo por onde escoa o dinheiro dos titulares. Afinal, eventuais falhas no registro dos metadados por selos e distribuidoras, que são as fontes utilizadas pelas DSPs (ou plataformas), podem se refletir em erros na hora de distribuir as receitas. Sem falar na invisibilização de quem cria a matéria-prima essencial da indústria musical, um problema da esfera do direito moral.

Um ano antes, em 2023, a Justiça brasileira demonstrou estar preocupada com a ausência de créditos nas plataformas. Cinco decisões da Justiça paulista puseram no foco um problema compartilhado por algumas das principais plataformas de streaming musical. Spotify, Amazon Music, Apple Music, Deezer e YouTube Music foram condenados — em processos independentes uns dos outros — a indenizar cinco compositores por omitir seus nomes das páginas das canções escritas por eles. As condenações foram reveladas pelo jornal “Folha de S. Paulo” e confirmadas pela UBC.

O problema é antigo e já foi tema de diferentes reportagens aqui do site. Mas, apesar da óbvia facilidade tecnológica para incluir os créditos, parece longe de ser resolvido.

Um dos compositores que moveram ações contra plataformas por ignorar seu crédito é o associado Luan Renato Fonseca, coautor de hits do sertanejo como “Descontrolada”, gravada por Israel Novaes, e “Carai de Amor”, sucesso na voz de Thiago Mastra. O YouTube Music/Google Brasil terá que lhe pagar R$ 5 mil como indenização.

"Canções são como filhos para os seus criadores, é inadmissível que, em plena era da informação, somente os intérpretes sejam nomeados", escreveram no processo os advogados Felipe Pierozan e Caroline Bagesteiro, que representam o músico.

Para além das falhas na identificação, a própria localização dos créditos é motivo de controvérsia. O Spotify foi o pioneiro na oferta dessa informação ao público, em 2018. Porém, para acessar a os dados sobre os compositores e intérpretes é preciso fazer pelo menos três cliques, um deles nas reticências (…) que aparecem ao lado do nome da música, uma área considerada discreta demais. Com isso, muitas pessoas sequer sabem que os créditos estão disponíveis.

PREOCUPAÇÃO LÁ FORA

Internacionalmente, entidades como a Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores (Cisac) pedem uma melhora nos metadados utilizados pelas plataformas para informar os nomes de quem cria e interpreta as músicas. Num relatório de 2022, seu presidente, Björn Ulvaeus, ele próprio um compositor de enorme sucesso à frente da banda que fundou, o ABBA, falou sobre o tema:

"Os criadores são a seiva das indústrias criativas, são as pessoas que formam a 'economia do direito autoral’. Hoje em dia, muitos dos dados necessários para identificar e remunerar os criadores estão incompletos ou faltando quando as obras são introduzidas nos serviços de streaming. É uma prioridade absoluta. Sem metadados, não é possível ter um setor criativo saudável."