Produção reúne os dois após 30 anos e entrevista grandes nomes que tiveram carreiras transformadas por seu hits
Sullivan e Massadas tocam no palco do Teatro Municipal de Niterói (RJ) durante a série. Foto: Rogério Von Krüger
Juntos, eles compuseram mais de 700 canções — muitas vezes, chegaram a fazer cinco num único dia. Durante mais de uma década, marcaram presença nas paradas de sucesso, tendo músicas gravadas por nomes que vão de Gal Costa a Xuxa, passando por Roberto Carlos, Tim Maia, Fagner, Alcione, Sandra de Sá, Fafá de Belém Roupa Nova, Rosana, Joanna, Trem da Alegria e muitos outros. A trajetória dessa dupla finalmente foi contada na série documental “Sullivan & Massadas: Retratos e Canções”, dirigida por André Barcinski, que acaba de estrear no Globoplay.
Barcinski teve a ideia de produzir algo sobre os dois quando estava fazendo o livro “Pavões Misteriosos — 1974-1983: a Explosão da Música Pop no Brasil”, lançado em 2014. Na época em que entrevistou os compositores, separadamente, “por volta de 2011, 2012”, eles praticamente não se falavam havia quase trinta anos: Michael Sullivan vivia no Rio de Janeiro, e Paulo Massadas, na Califórnia.
“É uma coisa tão óbvia fazer uma série sobre esses dois, porque qualquer um que acompanhou a música brasileira dos anos 80 sabia do domínio que eles tiveram nas paradas”, observa.
A produção conta como os dois começaram a dupla, quando Massadas, que se apresentava em bailes com os organistas Lincoln Olivetti e Lafayette e com a cantora Rosana, foi convidado a integrar a banda de Sullivan — que já havia emplacado um hit, “My Life”, canção em inglês que integrou trilha da novela “O Casarão”, da Globo, de 1976. O nome artístico do pernambucano Sullivan, aliás — e isso aparece em detalhes engraçados na série documental — é da época em que as gravadoras brasileiras, sem dinheiro para adquirir fonogramas de artistas estrangeiros, apresentavam cantores brasileiros com nomes em inglês para fingir que eram de fora. Ele, na verdade, se chama Ivanilton de Souza Lima.
Sullivan e Massadas começaram a parceria compondo músicas para artistas do brega e do forró no Nordeste, sob pseudônimos. Passaram alguns anos nesse laboratório do gosto popular. Até que, em 1983, veio o primeiro sucesso nacional: “Me Dê Motivo”, canção interpretada por Tim Maia. A partir dali, passaram a ser gravados por grandes nomes da música brasileira, e muitos deles tiveram suas carreiras mudadas para sempre, passando para patamares de venda muito maiores. Foi o caso de Fagner, que estourou com “Deslizes”, até hoje seu maior hit, em 1987, e de Gal Costa, que viu seu dueto com Tim Maia em “Um Dia de Domingo” explodir em 1985. Em onze anos, emplacaram mais de 60 músicas nas paradas.
Além de reunir a dupla, a produção da série resgatou vídeos de época e fitas demo com as composições da dupla ainda “cruas”; entrevistou nomes como Boni, Guto Graça Mello, Alcione, Xuxa, Gal Costa (1945-2022) e Serginho Herval, baterista e vocalista do Roupa Nova, entre outros; aproveitou trechos do programa Conversa com Bial (o apresentador assina o argumento da série ao lado de Barcinski) e realizou um tributo a Sullivan e Massadas, com artistas de gerações posteriores, como Xande de Pilares, Carlinhos Brown, Chico César, Zeca Baleiro, Ferrugem e Anavitória, além dos próprios, cantando as composições dos dois.
À UBC, Michael Sullivan, responsável pelas melodias (mas que também dava pitacos nas letras), lembra a análise que Massadas faz na série: o êxito da dupla veio em um momento pós-ditadura militar, em que não havia mais a censura nem a urgência em abordar temas pesados.
“Nós viemos falando de amor, um pop MPB. Somos da mesma idade, curtimos toda a história da música brasileira e a história da música internacional, e cantávamos tudo isso nos bailes. Isso influiu muito, porque, quando eu falava da música tal, da banda tal, do cantor tal, o Paulo sabia do que eu estava falando e vice-versa”, observa. “Isso foi fundamental para a gente ter essa pluralidade que nós tivemos. Atingimos todos os segmentos da música”, defende, explicando a simbiose deles na hora de compor.
Chico César, que, além de ser entrevistado na série, canta “Nem Um Toque” (que estourou na voz de Rosana) no tributo, define as músicas de Sullivan e Massadas como “hits de cauda longa”: têm uma explosão, mas permanecem.
“Quando você escuta aquelas canções no táxi, voltando para casa à noite, na voz desse ou daquele intérprete, entende que elas foram importantes naquele momento e que elas mantêm uma autenticidade. Elas eram de verdade, são bem construídas, não subestimaram o ouvinte popular. Acho que esse é o segredo. E são crônicas, muitas vezes de amor, de motel, do cotidiano da pessoa comum, e a pessoa comum vai existir sempre”, analisa.
Chico César durante sua interpretação de 'Nem Um Toque'. Reprodução Globoplay
É claro que nem tudo são flores, e a série também mostra o quanto a imprensa torceu o nariz para o sucesso da dupla de compositores e como eles foram acusados de ser cafonas e de ter um sucesso fruto de jabá, entre outras coisas, o que contribuiu para o fim da parceria entre Sullivan e Massadas em 1994.
”Tem quem fale: ‘Ah, eles tinham um esquema com o Miguel Plopschi [romeno radicado no Brasil que era diretor artístico da RCA, gravadora dos dois] e pagavam jabá para as rádios, por isso estouraram.’ A gravadora que tinha mais dinheiro na época era a CBS. Ela não pagava jabá? Todas pagavam. Esse papo é totalmente reducionista”, argumenta André Barcinski.
O diretor também refuta a tese de que os artistas da RCA eram forçados a gravar composições de Sullivan e Massadas.
“Isso parece até brincadeira. Como isso era feito? Alguém chegava com uma arma e ameaçava o Roberto Carlos, a Alcione? Muitos artistas que não eram da RCA gravavam músicas deles. O próprio Roberto era da CBS”, exemplifica.
Para Barcinski, foram as características dos dois que os tornaram ímãs para intérpretes em busca de sucesso:
“O segredo deles vem, na minha opinião, da origem dos dois: um da Zona da Mata de Pernambuco, de uma família muito pobre; o outro, da Baixada Fluminense, de uma classe média um pouco mais abastada, mas nada rica, e da vivência dos bailes. O baile é um grande termômetro do gosto popular. Casando com uma época em que as novidades tecnológicas estavam melhorando os estúdios, a transmissão em rádio, porque a FM estava bombando, eu acho que eles foram os caras certos na hora certa. E fizeram de tudo, é impressionante: música infantil, rock, pop, forró…”, enumera.
André Barcinski credita o preconceito com Sullivan e Massadas mais à conjuntura da indústria musical nos nos 80 do que à música da dupla em si. Foi um período de profundas mudanças, em que as gravadoras brasileiras foram vendidas para conglomerados internacionais, e o que o jornalista chama de “amadorismo saudável” das lideranças, geralmente pessoas que entendiam muito de música, como Roberto Menescal ou Rildo Hora, foi substituído por uma lógica ligada a números: se o artista não vendesse X mil cópias, era dispensado.
Artistas com potencial comercial mediano, que não vendiam tanto assim, foram mandados embora aos montes de gravadoras.
“Se você entrevistar o Menescal, ele vai te contar que teve que cortar 80% do cast da Philips na virada dos 70 para os 80. Imagina uma situação em que a indústria musical está em crise, todo mundo sendo demitido, e você tem esses dois caras que vieram dos bailes, fazendo um tipo de música muito simples e que estava bombando absurdamente? Isso causou uma inveja, uma reação contra eles muito desproporcional à qualidade das músicas e aos próprios caras, que sempre foram superafáveis e legais. Eles foram meio que os bodes expiatórios dessa época, porque fizeram muito sucesso em um período em que a indústria fonográfica estava em crise”, afirma.
Com Xuxa numa foto sem data dos anos 1980: hitmakers sem igual. Foto: arquivo pessoal
A dupla, que parou de compor em 1994, planeja um show conjunto ainda em 2024. E, embora eles tenham dito por aí que não pretendem voltar a fazer músicas a dois, Sullivan não é tão enfático assim na conversa com a UBC.
“Eu e Paulo estamos nesse momento, nós estamos curtindo essa comemoração, essa justiça que foi feita. Abonaram o nosso talento e nos deram credibilidade. Entrego na mão de Deus: pode ser que tenha um encontro para um show. Pode ser que, por acaso, em algum momento, a gente faça alguma música. Mas nada está programado. Nada. Por enquanto, da minha parte eu estou curtindo essa coisa linda e a justiça que foi feita: não é tudo nosso que é bom, mas também não é tudo nosso que é ruim”, diz, modesto. “Tudo que é feito em vida é bom, eu acho que devia ter uma lei falando que qualquer homenagem deveria ser feita em vida”, diverte-se.
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