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Foto do escritorHebert Silva Araújo

COMO OS FILHOS DE ERASMO E UM TIMAÇO DE CRIADORES FINALIZARAM NOVO ÁLBUM DELE

Neste mês de maio, os fãs de Erasmo Carlos foram surpreendidos com o lançamento de “Erasmo Esteves”, um disco de dez canções inéditas do Tremendão, um ano e meio após a sua morte. O álbum da Som Livre não é fruto de inteligência artificial, recurso que vem sendo aplicado na criação de músicas e até na ressurreição de vozes do passado. É produto da inteligência e da sensibilidade dos filhos de Erasmo — Léo e Gil Eduardo Esteves —, dos produtores Pupillo e Marcus Preto e de um punhado de artistas que finalizaram as canções concebidas ou parcialmente concebidas, ao longo de anos, pelo ícone da Jovem Guarda.

“Não é um tributo, é um álbum de estúdio do Erasmo. Sem ele para acabar de compor algumas músicas e cantá-las, tivemos que fazer adaptações. Como buscar esse material? No baú dele, nos retalhos, nos bilhetes que ele fez para a minha mãe, nas anotações e em gravações em fitas cassete. A ideia de envolver artistas da nova geração já existia. O conceito do disco era Erasmo abraçar a jovem guarda de hoje”, conta Léo Esteves, acrescentando que a obra será lançada em breve também no formato de vinil.

Alguns dos nomes presentes no disco — Tim Bernardes, Emicida e Teago Oliveira — foram sugestões do próprio Erasmo. A agenda lotada do rapper Emicida quase o tirou desse elenco, mas, depois de sofrer uma leve chantagem sentimental de Marcus Preto, ele embarcou na faixa-título, “Erasmo Esteves (Tijuca Maluca)”, que também conta com o cantor Rubel.  

“A letra de ‘Tijuca Maluca’ estava parada, porque o Léo (Esteves) quis dá-la a um grande nome, que ele revela se quiser, e esse cara acabou não fazendo. A gente resolveu, então, pegar essa letra, que é uma autobiografia do Erasmo, e dá-la ao Rubel (para musicar). Aí, eu falei para ele: a letra é muito grande, então faça como o Jorge Ben Jor fez com ‘Chica da Silva’: o Cacá Diegues entregou o roteiro na mão do Jorge, e ele musicou a sinopse. Foi mais ou menos isso que o Rubel fez. O Emicida, depois, ouviu essa faixa na minha casa. Ele estava tão ocupado que não ia entrar nesse projeto. Eu avisei: ‘você vai se arrepender’. E toquei a música para ele. Assim que a ouviu, ele disse ‘mano, abra um espaço para mim, porque vou fazer umas rimas’”, revela Marcus.

E quem era o “cara que acabou não fazendo” a música? Léo revela: esse cara é Roberto Carlos. Além do “rei”, muitos outros artistas foram presenteados com letras e, em alguns casos, até linhas melódicas registradas em fita cassete por Erasmo, e não entregaram canções prontas a tempo de serem aproveitadas neste primeiro disco póstumo.

Portanto, novas obras ainda devem surgir.

 “Quando eu fiz (o disco) ‘...Amor É Isso’, o Erasmo me deu um monte de letras ou esboços delas para eu distribuir. Algumas letras ficaram com compositores que ainda não terminaram (o trabalho), como Marisa Monte, Carlinhos Brown, Adriana Calcanhotto, Milton Nascimento e outros. Dá para fazer mais álbuns de músicas inéditas do Erasmo, sem dúvida”, afirma Marcus.

Leo corrobora:

“Tem vários artistas que já manifestaram interesse de beber nessa fonte, e muitos não participaram deste disco porque a agenda deles não permitiu, mas podem participar de projetos futuros. Eu e meu irmão sentimos que é um dever que temos, o de dar sequência ao legado de Erasmo”, completa Léo, que cita ainda banda Boca Livre entre os presenteados com material inédito do seu pai.

A missão dos irmãos Léo e Gil Eduardo vem sendo executada por meio de um diligente garimpo no acervo deixado pelo Tremendão.

“São mais de 30 fitas cassete que a gente está ouvindo com calma. É preciso entender os fragmentos, saber o que já virou música com outras levadas ou mudanças na letra. Estamos fazendo um filtro para ver o que é inédito mesmo. E nem tudo é material musical. Tem fitas em que ele está batendo papo com Roberto (Carlos). Tem Caetano (Veloso) mandando ‘De Noite na Cama’ para ele, de Londres”, descreve Léo.


Algumas descobertas desse acervo não foram originalmente pensadas por Erasmo como músicas, mas acabaram desaguando em “Erasmo Esteves”. É o caso de dois bilhetes de amor escritos para Narinha — mãe de Léo e Gil Eduardo — nos anos 1980, que viraram “Assim Te Vejo em Paz”, musicada por Roberta Campos e cantada por Jota.pê, e “Que Assim Seja (Também Distante)”, musicada por Nando Reis e interpretada por Sebastião Reis.

“O meu pai era muito romântico. Fica até difícil, agora, eu deixar bilhete para a minha esposa, porque não vai chegar nem perto daquele material maravilhoso”, confessa Léo, que atribui a esse mergulho na intimidade de seu pai o fato de o disco ter sido batizado com o seu nome de família, Erasmo Esteves.

Enquanto Nando Reis teve o desafio de criar uma música da estaca zero, debruçado sobre um recado de amor de Erasmo, o seu colega da banda Titãs Paulo Miklos ganhou uma matéria-prima já parcialmente musicada para criar “Na Memória dos Caras Tortas”. Ele recebeu um fragmento de letra e da melodia, achado numa fita cassete antiga. Essa relíquia foi incluída no disco com o título de “Jaz, Malandro”, uma faixa de 37 segundos. Outros três fragmentos — que geraram mais três músicas — também estão ali.

Há, porém, canções deixadas por Erasmo em estágio mais avançado de composição.  Gravada por Gaby Amarantos, “A Menina da Felicidade” já estava totalmente pronta, mas permanecia inédita por não ter sido usada por Wanderléa, a quem o autor havia dado a música.

“A Wanderléa acabou desistindo de fazer um disco de inéditas, no qual essa música teria entrado, e foi fazer um de regravações de chorinho. Aliás, foi assim que começou minha relação de produtor com o Erasmo, quando eu pedi essa música para o disco da Wanderléa. 'A Menina da Felicidade' virou um dueto da Gaby Amarantos com o Erasmo, pois tínhamos uma voz guia dele. E foi graças a essa faixa que trouxemos o Rubel para o disco. Um dia, o Léo Esteves se encontrou com o empresário da Gaby, que é o mesmo do Rubel. Aí, ele perguntou ao Léo por que a gente ainda não tinha chamado o Rubel, que, aliás, é um artista com quem eu já fiz muita coisa. Então, fizemos o convite”, lembra Marcus.

As histórias curiosas do produtor em relação a esse disco começam pela sua gênese. Ele é o sucessor de “O Futuro Pertence à... Jovem Guarda”, uma coleção de regravações que deu um Grammy Latino na categoria “Melhor Álbum de Rock ou de Música Alternativa em Língua Portuguesa” ao cantor de então 81 anos, cinco dias antes de sua morte.

“No fim das gravações daquele disco, eu falei para o Erasmo: me chama para o próximo. E ele disse: o próximo tem que ser de músicas inéditas. Então, ficou combinado isso. Quando a gente ganhou o Grammy, ele me ligou de dentro da UTI, uma ligação de vídeo. Ele estava com a Fernanda, sua esposa. Ele gritava: ‘Bicho, ganhamos! Estou chorando, mas é de alegria!’. E eu falei: ‘Então sai logo daí para a gente começar o disco que combinamos’. Era uma quinta-feira (17 de novembro de 2022). Ele respondeu que teria alta no sábado. Infelizmente, ele piorou e morreu poucos dias depois (terça-feira, dia 22)”, recorda-se Marcus. “Acho que ele teria aprovado tudo que fizemos neste disco. Eu, normalmente, não gosto de ouvir os álbuns que produzo, porque presto mais atenção nas falhas do que nos acertos. Mas não consigo parar de ouvir este disco.”

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