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LEVANTAMENTO REVELA CRÉDITOS AUSENTES OU COM ERROS EM 31% DAS FAIXAS NO STREAMING, EM MÉDIA


Número tem como base amostragem feita pela UBC; situação joga luz sobre problema dos metadados falhos, que prejudica titulares de direitos

Por Nathália Pandeló, do Rio

Um levantamento feito pela UBC quantifica o persistente problema da identificação dos titulares das canções presentes nas principais plataformas de streaming. De uma amostragem com 100 músicas de 100 artistas e inúmeros gêneros, 31% não continham créditos ou traziam erros variados, na média das cinco plataformas analisadas (Spotify, Apple Music, Amazon Music, Deezer e YouTube Music, as maiores do mercado nacional). O problema de identificação não é homogêneo entre todas, com algumas — Amazon e YouTube — em situação pior que a das demais.

O objetivo da análise foi compreender o tamanho da lacuna deixada por metadados incompletos, incorretos ou inexistentes — além de tentar decifrar as dificuldades inerentes a cada plataforma na hora de identificar as faixas. O que, a olhos leigos, pode parecer uma mera burocracia acaba se tornando um ralo por onde escoa o dinheiro dos titulares. Afinal, eventuais falhas no registro dos metadados por selos e distribuidoras, que são as fontes utilizadas pelas DSPs (ou plataformas), podem se refletir em erros na hora de distribuir as receitas. Sem falar na invisibilização de quem cria a matéria-prima essencial da indústria musical, um problema da esfera do direito moral.

Uma questão complexa

Na apuração das 100 canções nacionais estiveram representados os gêneros mais populares no país — do sertanejo ao pop, do brega ao trap, do funk ao choro, do piseiro ao metal — e gerações de artistas e criadores da década de 1960 até hoje. O resultado foi a constatação de que, embora a presença dos créditos dos compositores venha crescendo ao longo dos últimos anos, ela ainda está longe de ser implementada completamente.

Se quem escreve as canções já sofre com erros na identificação, os músicos acompanhantes e produtores musicais participantes das faixas gravadas constam ainda menos nas fichas técnicas disponibilizadas. Com exceção da Apple Music, onde os músicos aparecem creditados com frequência notável, as demais praticamente não oferecem a mesma informação. Encontrar estes dados não é a regra — é exceção.

A americana Apple Music, que no final do ano passado anunciou uma iniciativa para ampliar a disponibilização das fichas técnicas em sua plataforma, se saiu melhor: 80% das faixas analisadas continham créditos corretos para os compositores; 14% não tinham dados, enquanto 5% estavam incompletos, e 1% trazia erros nos créditos, na comparação com as informações registradas no banco de dados do Ecad/UBC.


O sueco Spotify, maior serviço de streaming em número de assinantes — com 615 milhões de usuários mensais e 239 milhões pagantes, segundo o balanço do Q1 de 2024 divulgado nesta terça (23) pela plataforma — vem logo atrás da empresa da maçã: 74% dos dados dos compositores estavam corretos, 9% não tinham crédito, e o restante dizia respeito às canções com fichas incompletas (11%), incorretas (4%) e não disponíveis (2%).


Já na francesa Deezer, os créditos corretos dos compositores constavam em 71% das músicas analisadas — em oposição aos 17% daquelas que não os exibiam. Incompletas e incorretas representaram 7% e 5%, respectivamente. 


No YouTube Music, do conglomerado americano Alphabet (dono também do Google), a porcentagem de músicas com compositores creditados corretamente foi de 63% — e aqueles sem nomes em exibição foram 23%. A fatia dos incompletos (10%) e dos incorretos (4%) também foi considerável.


Por fim, o Amazon Music, uma das múltiplas pernas do gigante americano de distribuição de produtos Amazon, se mostrou o serviço com a pior entrega de dados sobre compositores: 57% contêm os dados corretos. Os ausentes eram 24%, ou seja, quase um quarto das faixas analisadas. Da amostragem selecionada pela UBC, 12% dos créditos estavam incompletos, outros 4% eram incorretos, e 3% das músicas que integraram a lista sequer estavam disponíveis na plataforma.


Na média de todas, portanto, e como já dissemos, os problemas na identificação dos compositores ficaram em 31%. Para além das falhas nos metadados compartilhados entre todas os serviços de streaming, as inconsistências nas identificações em cada plataforma individual estão por toda parte. Ainda assim, o quadro atual é consideravelmente melhor que o de novembro de 2022, quando a UBC fez outro levantamento, menos abrangente, que mostrou que apenas Spotify e Deezer traziam créditos de maneira consistente. Agora, o que chama a atenção é a dificuldade de algumas plataformas em identificar corretamente faixas que em outras, sim, aparecem bem.

A canção “Tudo Que é Sentimento”, do fenômeno infantil Mundo Bita, é um exemplo. Apesar de Deezer, Spotify e Apple Music exibirem os nomes dos dois compositores da faixa — Chaps Melo e João Henrique Souza —, mesmos titulares presentes na base de dados da UBC —, isto não ocorre no YouTube Music e no Amazon Music, que mostram apenas o nome do primeiro autor. 

Outro caso tem a ver com o mundo do funk e do rap, mais especificamente com o single “100% Feminista”, que reuniu MC Carol, Karol Conká, Tropkillaz e Leo Justi na criação. A maioria das plataformas sequer mostra a opção de acessar os créditos da faixa; e as únicas que possuem essas informações — Apple Music e Spotify — não exibem Zegon e Laudz, a dupla de produtores por trás do Tropkillaz, como compositores. Seus nomes, porém, constam na ficha técnica cadastrada na UBC ao lado dos demais.

De maneira contraintuitiva, houve diferentes casos em que canções mais antigas, pré-era digital, tiveram melhores identificações que outras contemporâneas. Aconteceu, por exemplo, com “Uma Última Canção”, gravação de 1995 interpretada por Sidney Magal para a canção de Guilherme Pereira: metadados corretos. O mesmo não se deu com “Mete Um Block Nele”, sucesso recente do piseiro na voz de João Gomes composto por West Reis, Junior Beats, Luiz Lins e Pe Squad. Os créditos estão incompletos em Amazon Music, Deezer, Spotify e YouTube Music — e ausentes da Apple Music.

“Os metadados são a principal forma de identificação de uma música. Seu correto preenchimento é fundamental por, pelo menos, três motivos”, diz Cláudio Lins de Vasconcelos, advogado especialista em direito autoral e professor da PUC-Rio. “Primeiro, para garantir a observância dos chamados direitos morais, que incluem o direito do autor de ter seu nome associado à sua obra em todas as formas de divulgação. Trata-se de uma obrigação legal, prevista na Lei de Direitos Autorais. Além disso, especialmente no âmbito digital, os metadados são essenciais para que todos os criadores recebam sua parte na remuneração pelo uso de suas músicas. Metadados imprecisos são como endereços de correspondência errados. Se alguém mandar um cheque para o endereço errado, o dinheiro não chegará. Por fim, o consumidor final tem o direito de ser informado sobre os artistas e criadores que participaram daquela composição ou gravação.”

Problema central na indústria

Esta é uma das questões que, nos últimos anos, vêm se tornando centrais na indústria musical. Em 2022, um estudo elaborado pelo pesquisador e analista do mercado musical Emmanuel Legrand para o Grupo Europeu das Sociedades de Autores e Compositores (Gesac) — do qual falamos aqui no site da UBC — se debruçou, justamente, sobre a remuneração de autores e compositores no contexto do streaming. A análise mostrou como os criadores das músicas, a base da cadeia produtiva musical, recebem uma parcela desproporcionalmente pequena da receita.

Legrand apresenta dados detalhados e propõe soluções baseadas em três pilares: reconhecimento do valor dos compositores para a indústria, identificação (para melhor atribuição de autoria) e aumento da remuneração. Segundo o pesquisador, o aprimoramento na identificação dos autores é essencial para garantir sua visibilidade e remuneração adequada.

“É preciso melhorar os dados sobre as músicas desde o momento da sua criação. A maioria dos serviços de streaming [...] não exibe os nomes dos autores e compositores das músicas porque eles não possuem as informações ou porque o sistema não foi projetado para exibir essas informações. A demanda por dados precisos e confiáveis está entre os principais resultados da pesquisa, [...] e na qual as plataformas também podem estar sintonizadas, pois essa é a melhor maneira de garantir que todas as músicas tocadas por seus usuários sejam identificadas”, resumiu Legrand.

À medida que os artistas independentes conseguiram maior autonomia na gestão de suas carreiras, o déficit de informação sobre como funciona o mercado ficou em evidência. Afinal, a chegada de novos atores a esse setor, anteriormente ocupado exclusivamente por editoras e gravadoras com anos de mercado, agora exigia um mergulho em termos burocráticos que nem todo artista e produtor domina. 

Essa constatação vem de Arthur Fitzgibbon, presidente da ONErpm no Brasil, uma das maiores distribuidoras digitais do mercado.

“A educação dos tipos de direitos precisa ser explicada, os artistas ainda confundem direito artístico, direito fonomecânico e direito autoral, assim como existe a confusão entre música e obra. Há também a informalidade entre os artistas de músicas populares que mudam seus acordos e não informam. A educação de negócios na indústria da música é uma prioridade”, ele salienta, citando iniciativas como a ONErpm Academy, voltada para a capacitação de profissionais do music business.

Ele reconhece o papel das distribuidoras digitais — fonte vital dos metadados usados pelo streaming — nesse processo:

“É necessário que todos os envolvidos acompanhem os registros e certifiquem que estão corretamente cadastrados. Todas as gravadoras e distribuidoras, cada uma à sua maneira, estão dispostas a atualizarem e reenviarem os metadados para que todas estas informações fiquem disponíveis”, afirma o executivo da ONErpm, cujo sistema, ele diz, exige o preenchimento de dados referentes a compositores, produtores, letra, ISRC, participações especiais, remixadores, gêneros primário e secundário e idioma, sem o que não há a conclusão do cadastro. 

Num panorama em que a responsabilidade é compartilhada entre todos, não tem sentido apontar o dedo unicamente para as plataformas — embora muitas delas, como mostrou o levantamento da UBC, têm falhas próprias de identificação.

“As DSPs (plataformas) precisam coordenar o que irão deixar disponíveis de dados públicos para que, assim, não só os envolvidos como os fãs também possam olhar e acompanhar. As gravadoras e distribuidoras já possuem todos os dados artísticos e técnicos para serem disponibilizados e enviados. Para ter uma eficiência completa no ecossistema da música, todas essas plataformas precisam estar alinhadas em quais informações dos metadados serão utilizadas”, direciona Fitzgibbon.

Como reforça o advogado Lins de Vasconcelos, cuidar para que os dados sejam corretamente preenchidos inicialmente — e, depois, corrigidos, se houver necessidade — é uma tarefa que os produtores fonográficos, responsáveis pelas gravações que irão parar nas bases de dados do streaming deveriam assumir com mais rigor.

“Em geral, quem preenche esses dados é o produtor fonográfico ou o responsável pela distribuição do fonograma. Caso algum erro seja identificado, o próprio responsável pelo envio pode encaminhar uma atualização para as plataformas”, ele descreve.

O que dizem as plataformas

O site da UBC entrou em contato com as cinco DSPs analisadas. Todas foram questionadas sobre os desafios em oferecer dados corretos ao público, as consequências de informações indisponíveis ou incorretas e sobre quando planejavam garantir o acesso às fichas técnicas completas. 

O Spotify não respondeu a nenhuma das questões colocadas, mas, por meio de sua assessoria de imprensa, disponibilizou um artigo de seu conteúdo voltado para artistas onde explica sobre as limitações dos créditos clicáveis e como corrigir informações incorretas. Segundo a plataforma, “Para atualizar os créditos da música, fale com sua gravadora ou distribuidora. Ela só precisa enviar seus metadados certos para a gente."

Deezer, Apple Music, Amazon Music e YouTube Music não se manifestaram até a publicação deste texto.

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