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Foto do escritorHebert Silva Araújo

CANADÁ (E, TALVEZ, OS EUA) SE SOMAM À ONDA DA TAXAÇÃO DO STREAMING DE ÁUDIO

França foi 1º país a adotar imposto sobre Spotify, Apple Music etc. para financiar sua indústria, gerando reações indignadas nas plataformas



É um dos temas do momento no mercado musical, defendido por uns, duramente atacado por outros (e não só as plataformas): um imposto aplicado ao streaming de áudio vem sendo implementado ou cogitado em diferentes países — e as consequências disso ainda são incertas. A França saiu na frente. Como contamos a você aqui no site da UBC em dezembro do ano passado, a nação europeia implementou uma taxa destinada aos DSPs (provedores de serviços digitais) de áudio para financiar sua própria indústria musical. Recentemente, foi a vez do Canadá. E agora os EUA debatem uma proposta de taxação muitas vezes superior à francesa e à canadense.

A proposta da França surgiu em meio aos debates sobre o orçamento nacional de 2024. Chamado de “imposto streaming”, deve gerar até € 15 milhões só este ano. O governo prometeu usar 100% do que for arrecadado no financiamento de festivais, gravações de discos por novos artistas, eventos musicais e outras formas de incentivo a talentos emergentes. Tudo realizado através do Centro Nacional da Música (CNM), um órgão surgido em 2020 para fomentar o mercado musical local.

Segundo a nova normativa, plataformas de streaming “pequenas”, com receitas anuais de até € 20 milhões, não estão sujeitas à taxação. As plataformas que superarem esse volume de receitas pagarão 1,2% do seu total de negócios gerados na França (o que inclui assinaturas premium e publicidade). Isto inclui, entre outras, Spotify, Deezer, Apple Music, Amazon Music, YouTube Music etc.

A resposta das plataformas foi rápida e dura. A francesa Deezer afirmou, por meio de seu então diretor-executivo Jerónimo Folgueira, que, “embora as intenções sejam boas, este é o pior resultado possível, que terá consequências negativas para toda a indústria musical na França”. E o Spotify foi mais longe, cancelando o patrocínio a dois festivais de música daquele país, os tradicionais Francofolies de la Rochelle e Printemps de Bourges. Ambas — e outras — sugerem que poderão aumentar os preços das assinaturas para compensar seu "prejuízo", na prática transferindo aos assinantes o ônus da taxação.

Embora as reações tenham sido fortes, a base do projeto foi um relatório do senador Julien Bargeton (Renaissance, centro-direita) que recomendou uma taxação inicialmente de 1,75% (depois rebaixada a 1,2%) nos mesmíssimos moldes do já aplicado e normalizado imposto sobre o audiovisual (Netflix, HBO, Disney + etc.). Este último é usado há anos para financiar o cinema francês.

“A taxa do audiovisual está totalmente incorporada (ao dia a dia da indústria cultural), sem polêmica. Já a do streaming fez barulho entre as plataformas, mas a verdade é que a maior parte da cadeia produtiva opinou que trará um impulso à criatividade através do financiamento de novos projetos musicais”, descreveu à UBC a brasileira Virginia Dias Caron, especialista em gestão de direitos e fundadora da Tropica Music & Film, uma agência sediada em Paris e dedicada à gestão e ao desenvolvimento internacional de carreiras artísticas.

No caso do Canadá, a Comissão Canadense de Radiodifusão e Telecomunicações (CRTC) anunciou há algumas semanas uma nova regra que exigirá que os serviços de streaming de música que operam no país entreguem 5% de suas receitas para uma variedade de fundos destinados a desenvolver conteúdo canadense.

Junto com um imposto semelhante sobre serviços de streaming de vídeo como a Netflix, a CRTC espera que os novos tributos arrecadem 200 milhões de dólares canadenses (coisa de R$ 790 milhões) por ano. Ou seja, é um imposto ainda mais polpudo que o da França. E tem uma particularidade que vem irritando profundamente o streaming. É que, embora 3% dos 5% seriam destinados a financiar novos projetos musicais, festivais etc., os outros 2% iriam para a radiodifusão — em outras palavras, a “concorrência” direta das plataformas.

A resposta da Associação de Mídia Digital (DiMA), que representa Amazon Music, Apple Music e Spotify, entre outros, não se fez esperar. Num duro comunicado, chamaram o imposto de discriminatório e disseram que o Canadá “escolheu o passado sobre o futuro ao exigir que os serviços de streaming paguem um subsídio protecionista para o rádio”.

Como observado por Caron, a reação indignada do streaming musical contrasta com a aceitação, por parte do streaming audiovisual, de regras semelhantes que já vigoram em diversos países. Dinamarca, Portugal, Romênia, Espanha e Suíça são só alguns que já têm há anos a chamada “taxa Netflix”, cobrando um imposto das plataformas para financiar seus filmes e séries. Por sua parte, mercados altamente liberais economicamente, como EUA e Reino Unido, ainda resistem a iniciativas similares que se estendam ao conjunto da indústria, embora cobrem impostos para financiar, por exemplo, suas televisões e rádios públicas, caso da PBC e da BBC, respectivamente.

Pelo menos, tem sido assim até agora.

Dois deputados americanos, Rashida Tlaib e Jamaal Bowman, ambos do Partido Democrata, apresentaram um projeto no Congresso daquele país que, se for aprovado, institui um imposto de simplesmente 50% do valor da assinatura do streaming — no limite de US$ 10 de arrecadação por assinatura. E não só: seriam cobrados das plataformas 10% adicionais sobre a receita de anúncios no caso de assinaturas não premium.

Na prática, isto significaria que o Spotify, por exemplo, que cobra US$ 12 de um assinante americano, teria que pagar US$ 6 de imposto. O valor, a exemplo do que ocorre em outros países que já instituíram a taxa, seria destinado a financiar a indústria (independente, sobretudo) dos Estados Unidos. E o montante arrecadado, segundo as contas do site Music Business Worldwide, poderia chegar a US$ 2,46 bilhões (R$ 13,4 bilhões) anualmente apenas com as assinaturas do Spotify, fora as das outras plataformas e áudio.

O projeto já tramita por diferentes comissões do Congresso e ainda não tem data para ser votado. Para o analista musical Daniel Tencer, é pouco provável que seja aprovado.

“E não é só porque um imposto de 50% é algo impensável numa sociedade como a americana. O problema também é como o projeto prevê a distribuição dos recursos entre os artistas. A ideia é cada um com músicas na plataforma receba um mínimo de um centavo de dólar por stream (quase três vezes mais do que os US$ 0,00397 atuais), um valor que vai diminuindo quanto mais streams tenha o artista. Ou seja, é um subsídio que beneficia os artistas menos populares, algo que poderia frustrar os grandes players da indústria musical”, ele descreve.

Na opinião de Tencer, o fato de o imposto ter um claro caráter “Robbin Hood” poderia juntar, numa grande coligação opositora, não só todas as plataformas de streaming de áudio mas também conglomerados como Universal Music e outros. A Universal, por exemplo, vem apostando em maneiras alternativas de melhorar a remuneração de artistas que vão muito além da simples taxação do streaming com consequente distribuição de dinheiro. Uma dessas maneiras é o modelo “artist-centric” de arrecadação e distribuição, sobre o qual já falamos aqui no site em várias ocasiões.

Qualquer que seja o desfecho do projeto americano, uma coisa é certíssima: a ideia de que uma taxação seja usada para financiar um atividade pujante — porém altamente desigual — como a música parece ter se instalado no zeitgeist (espírito da época). Basta analisar as táticas de países tão variados como Coreia do Sul (que cobra impostos específicos para financiar sua indústria do k-pop) ou Nigéria (que investe dinheiro público em seus afrobeats). Opositores como plataformas, grandes gravadoras e outros players, portanto, terão muito trabalho para convencer legisladores mundo afora de que este não é um bom caminho a seguir.


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