A Sony Music, segunda maior gravadora do planeta, deu um passo importante para tentar regular o uso de conteúdos protegidos por direitos autorais no treinamento de sistemas de IA generativa. Numa carta enviada a mais de 700 companhias do setor de IA - e não só companhias como a OpenAI, o Google ou a Microsoft, que desenvolvem suas próprias ferramentas de criação autônoma, mas também plataformas de streaming e outros players -, a gigante japonesa fez oficialmente seu “opt-out”. Isto significa que a gravadora e a editora Sony (além da Sony Pictures) vetam expressamente o uso de seus conteúdos protegidos, músicas entre eles, na programação dos sistemas de inteligência artificial sem uma autorização prévia.
A notícia se dá a conhecer na mesma semana em que o conglomerado Sony revelou seus resultados operacionais de 2023, com receitas de quase US$ 10,5 bilhões só na sua perna musical. A cifra a aproxima da líder mundial do setor discográfico, a Universal Music, que, no final de abril, comunicou ao mercado ter gerado pouco mais de US$ 12 bilhões ano passado.
O passo à frente da Sony no tema da inteligência artificial agita o mercado, num momento em que se debatem soluções mundo afora para tentar dar aos titulares de direitos autorais o poder de proibir (ou beneficiar-se economicamente) do uso de suas criações em sistemas que, depois, terminarão concorrendo com eles próprios na geração de novos conteúdos. De acordo com a carta da Sony, o conglomerado “proíbe expressamente e opta por não participar de qualquer mineração de textos ou dados, extração de conteúdo web por robôs ou reproduções, extrações ou usos semelhantes de qualquer conteúdo” do Sony Music Music Group, “incluindo, sem limitação, composições musicais, letras, gravações de áudio, gravações audiovisuais, obras de arte, imagens, dados etc., para quaisquer fins, incluindo treinamento, desenvolvimento ou comercialização de qualquer sistema de IA.”
No comunicado sobre a carta, a Sony faz um chamado à “participação (de todos os players) nas discussões sobre um desenvolvimento de (sistemas de) IA transparente, ético e responsável”, um processo que a major diz esperar que inclua o fornecimento, pelas companhias desenvolvedoras, de informações detalhadas sobre as obras que usaram (ou as provas de que não usaram). Em seu pacote de sugestões, a companhia japonesa chega inclusive a especular com prazos para a apresentação desses dados pelas empresas de IA: um mês depois da solicitação.
O tema ganha particular importância num momento em que diversos países debatem mecanismos para regular o uso de conteúdos protegidos pelos desenvolvedores da nova tecnologia. Em março, a União Europeia aprovou uma pioneira lei sobre inteligência artificial na qual, em linhas gerais, reforça a prerrogativa dos titulares de direitos autorais de vetar usos não autorizados e, também, de ser remunerados pela mineração das suas obras. Mas o modus operandi para esse controle e essa cobrança ainda permanece em aberto.
Enquanto isso, a Sony deixa aberta a porta a uma potencial onda de ações legais contra os que fizerem uso de suas canções depois dessa declaração pública de opt-out.
"O uso não autorizado de conteúdos da Sony Music Group no treinamento, desenvolvimento ou comercialização de sistemas de IA priva as empresas e os artistas do grupo do controle e da compensação adequada pelo uso de seus conteúdos. Além disso, entra em conflito com a exploração normal dessas obras, prejudica de maneira injusta nossos interesses legítimos e infringe nossos direitos de propriedade intelectual e outros direitos", afirmou a companhia num comunicado à imprensa.
O problema do caminho legal é que a ausência de um entendimento pacificado - em lei ou através de decisões de instâncias superiores - deixa no ar múltiplas interpretações para as demandas de violações de direitos autorais em casos assim. Como mostramos em março no site da UBC, uma juíza da Califórnia, nos EUA, não aceitou as alegações de três escritores que pediam indenizações à OpenAI, desenvolvedora do ChatGPT, pelo uso de suas obras no treinamento dos sistemas. Segundo a magistrada, os autores não conseguiram provar o uso, e a OpenAI não forneceu qualquer tipo de dado sobre as obras que efetivamente varre em suas programações.
Algo que, para a advogada especialista em propriedade intelectual e proteção de dados Cristiane Monzueto, sócia do escritório Tauil & Chequer, deixa titulares de direitos desprotegidos.
“De alguma forma, essa juíza inverte o ônus da prova: você tem uma obra sua, ou um trecho de uma obra, usado por uma empresa para gerar outros conteúdos, algo que a própria empresa reconhece, e cabe a você provar por que aquele uso é ilegal. Isso gera um problema para os autores: se não demonstrarem, através de trechos inteiros, que tiveram suas obras mineradas, simplesmente poderão ter suas criações usadas livremente”, ela afirmou.
De qualquer modo, a Sony, com a carta enviada esta semana às empresas de IA, transmite uma mensagem potente: já não estará de braços cruzados esperando uma nova legislação que proteja suas obras neste novo contexto de inteligência artificial generativa.
“Os titulares de direitos musicas vêm dizendo há algum tempo às empresas de IA que elas precisam pedir permissão, pagar por licenças e ser transparentes sobre o conjunto de dados que usam nos treinamentos dos sistemas. Mas a resposta, via de regra, tem sido ‘ah, sim? E o que vocês vão fazer se nos recusarmos? Mostrem aí suas armas.’ O Sony Music Group começou a mostrar”, resumiu o analista musical inglês Stuart Dredge.
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O Sony Music Group (SMG) e suas afiliadas têm investido no desenvolvimento e na promoção de compositores e artistas envolvidos em gravações, no mundo todo, há mais de um século. O SMG acredita com paixão no valor inerente e primordial da arte humana. Além disso, tem abraçado o potencial de uma IA produzida de forma responsável como uma ferramenta criativa, revolucionando as maneiras como compositores e artistas envolvidos em gravações criam música. Estimulamos artistas e compositores a liderarem a adoção de novas tecnologias em benefício da sua arte. As evoluções na tecnologia frequentemente mudaram o curso das indústrias criativas. A IA provavelmente continuará essa tendência ancestral.
No entanto, essa inovação deve garantir que os direitos dos compositores e artistas de gravação, incluindo os direitos autorais, sejam respeitados. Por essa razão, as afiliadas do SMG, Sony Music Publishing (SMP) e Sony Music Entertainment (SME), em nome de si mesmas e de suas afiliadas totalmente controladas ou de sua propriedade, estão fazendo esta declaração afirmativa e pública confirmando que, exceto quando especificamente e explicitamente autorizado pela SME ou SMP, conforme o caso, cada uma delas proíbe expressamente e opta por não participar de qualquer mineração de texto ou dados, extração de conteúdo web por robôs ou reproduções, extrações ou usos semelhantes de qualquer conteúdo da SME e/ou SMP (incluindo, sem limitação, composições musicais, letras, gravações de áudio, gravações audiovisuais, obras de arte, imagens, dados, etc.) para quaisquer fins, incluindo treinamento, desenvolvimento ou comercialização de qualquer sistema de IA, e por quaisquer meios, incluindo por bots, varredores ou outros processos automatizados, em cada caso, na máxima extensão permitida pela lei aplicável em todas as jurisdições relevantes.
Esta declaração reafirma e não prejudica todas as reservas de direitos anteriores da SMP e/ou SME e seus respectivos direitos legais, todos os quais são expressamente reservados. As reservas de direitos da SME e SMP se aplicam a todos os conteúdos existentes e futuros da SME e SMP, incluindo aquelas obras criativas que podem ser identificadas por meios publicamente disponíveis ou listadas de tempos em tempos em bancos de dados, como os mantidos pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) e a Confederação Internacional dos Editores de Música (ICMP).
Consultas sobre permissões de treinamento de IA e questões relacionadas podem ser enviadas para aitrainingpermission@sonymusic.com e/ou aitrainingpermission@sonymusicpub.com, segundo o caso.
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